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CULTURA

UM CAFÉ PARA DOIS

01/12/2025 às 01:27

Hoje eu tive um sonho que foi o mais bonito que eu sonhei em toda a minha vida: o Paul McCartney veio tomar um café conosco enquanto o pessoal passava o som, antes da apresentação que ele iria fazer aqui na frente de casa.

Antes de recordar o sonho, esperem eu falar de algo bem real: em 2012, no chamado “Desafio Paul McCartney”, os interessados em conhecer o eterno Beatle deveriam enviar uma gravação em vídeo com interpretação livre de alguma canção gravada pelos integrantes da maior e melhor banda musical de todos os tempos. Foram selecionadas as mais criativas e divertidas, entre elas a montagem da música “Cook of the House” com o músico Luiz Fernando Spessatto, que simulou a “Cozinheira da Casa” e com uma câmera no tripé gravou o vídeo sozinho.

Nando, como é carinhosamente conhecido, obteve o grau de Mestre em Música no “Programa de Pós Graduação em Música” do Centro de Artes da UDESC. Ele rege o Coral da Unoesc, no qual minhas filhas Caroline e Luciana participam, e quando comentaram que a Marina e eu estamos completando bodas de ouro ele disse que iria preparar uma surpresa musical.

Voltemos ao assunto: fiquei tanto tempo pensando em tudo que estive sonhando e, por um momento, pensei ser verdade o sonho que eu tive: o Nando foi assistir a enésima turnê pelo Brasil do “Velho Macca” e lhe contou que um grande fã dos Beatles completava 50 anos de casado. Acredite quem quiser: ele topou na hora e veio cantar aqui na nossa rua! Lembrei a ele que Roberto Carlos gravara a balada “And I Love Her” e o Paul mandou um zap convidando Mr. Robert Charles a vir também, para fazerem um dueto.

A música, composta pela mais bem sucedida parceria da história da música, John Lennon e Paul McCartney, foi lançada pelos Beatles em 1964 no seu primeiro filme, "A Hard Day's Night" (traduzido como “Os Reis do iê- iê- iê” no Brasil, “Os Quatro Cabeleiras do Após-Calypso” em Portugal).

Roberto cantaria o trecho em inglês e Paul disse que iria cantar em português aquele trecho que ele gostava tanto da versão feita pelo Roberto: “E aquele louco amor inesquecível tirar do coração é impossível, eu te amo! ... te amei demais, enlouqueci, brigas banais te perdi; o tempo já passou e eu não consigo calar meu coração, e às vezes digo que te amo”.

Logo o jatinho do Roberto chegou ao Aeroporto Santa Teresinha e Idalino Roso, o Magro, com seu chapéu de palha, o conduziu fazendo bibip no velho Ford 29, esbanjando simpatia e elegância ao volante do calhambeque. 

Como os músicos ingleses não conseguiam acertar os acordes do arranjo estilo bossa-nova que o Roberto gravara, apelamos ao Maestro Nando Spessato, que resolveu a parada chamando o pessoal da Carlos Gomes Big Band. Nando ainda recebeu um abraço do Paul, que recordou quando eles se encontraram em Floripa. 

Então, com aquela sem-cerimônia que caracteriza o comunicador, perguntei se eles gostariam que eu os apresentasse ao distinto público. Ambos concordaram, desde que eu não me estendesse muito... Meus netos já tinham feito amizade com os dois astros, a minha netinha Aurora fazia o símbolo do rock com o polegar dobrado e os dedos indicador e mindinho estendidos e empunhava uma imaginária “air guitar” como se estivesse tocando guitarra elétrica e juntos cantavam o refrão “LÉRIBI, LÉRIBI”.

Enquanto tudo aquilo acontecia, a vizinhança começava a desconfiar do movimento. Dona Malú, que varria a calçada desde as seis da manhã, jurava ter visto “um rapaz parecido com aquele Bítou...” — ela sempre errava o nome, mas ninguém tinha coragem de corrigir. Já o Seu Tonico saiu no portão com o radinho de pilha ligado na rádio Joaçaba FM, dizendo que aquilo só podia ser coisa dos “Discos do Bolinha”, porque “um homem desse não vinha na nossa rua assim, de supetão”. Mas bastou Paul dar um tchauzinho educado que D. Malú derrubou a vassoura e o Seu Tonico desligou o rádio achando que tinha chegado ao céu.

O Rei estava mandando pra netinha, a Baby Laura, a selfie que tinha feito com meus netos - quando o mais velho deles, o Roberto, resolveu cantar “eu tenho tanto pra lhe falar”, mas foi interrompido pelo mais novo, o Paulo, que cantou: “Você é algo assim, é tudo pra mim, é como eu sonhava, baby...” Que mancada, Paulinho, essa música é do Tim Maia! Roberto falou que iria lançá-la no LP de 1969, mas como o Eduardo Araújo já tinha gravado escolheu outra composição do Gordinho que a Nice gostava, chamada “Não Vou Ficar”.

Roberto trouxe uma dúzia de rosas para a Marina e quando soube que eu também completava 75 anos convidou e todos cantaram parabéns pra vocês. Os músicos continuaram ensaiando e o barulho começou a atrair mais gente. A molecada do bairro veio correndo, alguns de pijama, outros com pão na mão, e logo a rua virou um verdadeiro palco improvisado. Até o “Bidu”, o cachorro do vizinho, resolveu participar, uivando cada vez que Paul atacava um acorde mais agudo. Roberto achou graça e disse que o cachorro tinha mais ritmo que muita dupla por aí. Ficamos todos ali, rindo, observando aquela cena que misturava sonho, circo e matinê de domingo.

No meio do ensaio, Paul pediu para conhecer mais músicas brasileiras. Aurora correu para dentro de casa e voltou com o celular da Vó Nina aberto no aplicativo de músicas, mostrando “Garota de Ipanema”, “Travessia” e até “Fricote”. Paul ouviu tudo com atenção, batucando na perna e exclamou “this groove is amazing!”

Fomos até a Fonte Viva Presentes onde o Aloir e o João mostraram discos de vinil de músicos brasileiros ao Paul, que fez questão de comprar os LPs. E ainda autografou dois Picture Discs da minha coleção: Abbey Road e Sgt. Pepper’s.

Roberto estivera aqui em Joaçaba por duas vezes e ao lembrar que em 1967 cantara no escuro nos contou histórias dos bastidores da Jovem Guarda, de quando o som falhava ou a luz apagava e mesmo assim o público continuava cantando. Paul riu e respondeu que era igualzinho nos primeiros shows dos Beatles no Cavern Club: calor de fritar ovo no chão e microfone chiando. A afinidade entre os dois parecia coisa de décadas.

Quando pedimos uma palinha, Roberto e Paul se entreolharam com aquele brilho maroto de quem topa a brincadeira. A Big Band já estava afinada, as crianças faziam coro, o Magro balançava o chapéu no ritmo, e até o cachorro me sorriu latindo, como se fosse o produtor musical daquele momento. Eles começaram devagar, com “And I Love Her”, depois encaixaram os trechos em português... e naquele instante, juro, parecia que todo o céu do Meio-Oeste tinha parado para ouvir. Foi ali, no meio da rua, entre amigos, café, nostalgia e imaginação, que o show mais improvável da história aconteceu — mesmo que só dentro da minha cabeça.

Fiquei tanto tempo pensando em tudo que estive sonhando e por um momento pensei ser verdade o sonho que eu tive. O papo estava uma brasa, mora, mas o bule entornou quando o Paul inventou de perguntar se o Roberto queria tomar daquele gostoso café que nós tínhamos servido. Eu acordei antes de contar pra eles que não tinha mais pó... PÔ PAUL, O PÓ ACABOU!

E então, quando o último acorde ecoou, a rua inteira explodiu em aplausos — mas os ruídos eram só do meu despertador tocando. Abri os olhos devagar, ainda sentindo o gosto do café que nem existiu e ri sozinho ao perceber que todo aquele espetáculo tinha sido um sonho. Mas que sonho bom! 

E quando eu abri a janela o dia estava tão lindo, no outro quintal meu vizinho sorrindo, então levantei, fui até a cozinha, fiz meu humilde cafezinho sem o Beatle nem o Rei, e pensei: “Se um sonho desses aparece de vez em quando, a vida já vale a pena!”. Como disse Raulzito, “sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só; mas sonho que se sonha junto é realidade”. E eu completo: sonho que se conta vira história, e história que se compartilha vira companhia. E nada melhor do que começar o dia com um café, um sorriso e uma boa imaginação.

São citados trechos das músicas O QUINTAL DO VIZINHO, 1975 (Roberto e Erasmo Carlos); A GUERRA DOS MENINOS, 1980 (Roberto e Erasmo Carlos); COOK OF THE HOUSE, 1975 (McCartney) AND I LOVE HER, 1964 (Lennon-McCartney); EU TE AMO, 1984 (And I Love Her) (Lennon-McCartney-Roberto Carlos); O PORTÃO, 1974 (Roberto e Erasmo Carlos); COMO É GRANDE O MEU AMOR POR VOCÊ, 1967 (Roberto Carlos); VOCÊ, 1971 (Tim Maia); NÃO VOU FICAR, 1969 (Tim Maia) PRELÚDIO, 1974 (Raul Seixas).

Por Antonio Carlos “Bolinha” Pereira / 75 anos